Casa Carlos: 65 anos de história e tradição
Em uma de suas obras, a escritora norte-americana Suzanne Collins diz que a vida não é mensurada apenas nos anos vividos, mas no número de vidas que tocamos ao nosso redor.
E por mais que seja possível contabilizar o tempo de atuação do senhor Carlos Zeitune no comércio petropolitano, há tempos o seu legado transcende toda e qualquer medida.
Fundada em abril de 1956, a Casa Carlos é um dos poucos estabelecimentos comerciais de Petrópolis cujo dia a dia ainda é acompanhado por seu fundador. Embora especializada no segmento dos eletroeletrônicos, aos olhos do público a marca registrada da loja nunca foram as máquinas, mas o acolhimento proporcionado pela presença certa do Sr. Carlos.
“Eu vim do Rio, então coloquei meu nome na loja para ficar conhecido logo”, explica o comerciante que, de fato, tem no letreiro da Casa Carlos o equivalente ao seu documento de identidade. Há 65 anos em funcionamento, o negócio revela tanto a transformação nas comunicações, quanto a manutenção da função de conexão cumprida pelos aparelhos.
Vitrolas, aparelhos de rádio e televisores. Ainda que pertencentes a diferentes épocas, os referidos equipamentos sempre se mostraram ferramentas capazes de conectar os espectadores a quem estivesse do outro lado, fosse ele o locutor da estação, o apresentador de um programa de televisão ou, quem sabe, o público ao Sr. Carlos.
Nascido em meio ao universo do rádio, já que seus pais detiveram uma indústria de fabricação de aparelhos que ia desde a marcenaria à metalúrgica e montagem, o Sr. Carlos, por muitos anos, realizou na Casa Carlos a venda e o conserto do equipamento. “O povo era diferente. Podia até comprar um rádio mais moderno, mas continuava com o velhinho”.
Há quem diga que, mais representativo do que o letreiro da Casa Carlos, somente a figura da dona Luna, esposa de Sr. Carlos. Foram 70 anos de união que tiveram início quando ele tinha 21 e ela 24. Com o seu falecimento em janeiro de 2020, já são quase dois de saudade. Sem a companheira junto dele no balcão, cabe ao neto manter o clima familiar.
Parte da Casa Carlos desde 1998, Daniel Salim Najm, de 43 anos, encontrou no comércio a mesma paixão do avô. Formado em advocacia, pode-se dizer que, ainda que não nos tribunais, é através da loja que ele garante e representa os interesses dos clientes. Tendo amadurecido atrás dos balcões, ele também criou raízes na cidade e no estabelecimento.
“É um privilégio estar com o meu avô diariamente e dividir a vida com ele durante tantos anos. Algumas pessoas vêm até a loja e me chamam de Sr. Carlos. Acham que sou filho”, descreve Daniel que, também carioca, cursou a faculdade em Petrópolis, morou junto do avô e, desde os 18 anos, divide a rotina dentro de uma empresa que se tornou patrimônio.
Chegando a testemunhar a mudança no público-alvo da loja que, de homens que trabalhavam ou se interessavam por eletrônica passou a ser ocupado, majoritariamente, por mulheres que resolvem as pendências de casa, Daniel, aos poucos, se deu conta do papel interpretado pela loja no comércio, na vida e nos lares petropolitanos.
“Você vai entendendo a real dimensão, vendo que todo mundo conhece a loja e a responsabilidade que é gerir a empresa. Quando concluí a faculdade eu decidi conversar com o meu avô sobre o que seria do futuro. Ele perguntou o que eu queria e eu disse que queria sentar onde ele estava”, recorda Daniel.
Aberta na esquina da antiga Rua Cruzeiro, atual Rua Dr. Nelson de Sá Earp – onde operou por cinco anos, a Casa Carlos teve como seu endereço mais conhecido a esquina da Rua Alencar Lima. Ao todo, foram 38 anos lá. Desde 2004 na Rua Irmãos D’Angelo, a loja mantém a capacidade de se conectar com fregueses e funcionários.
Contratado praticamente na mesma época em que Daniel entrou para o estabelecimento, Alex Sandro de Mello de Souza, de 40 anos, acumula 18 anos de história no local. Orgulhoso em dizer que teve na loja seu primeiro emprego e que é hoje o funcionário mais antigo da casa, ele fala sobre a família e os aprendizados construídos no comércio.
“A gente começa lá embaixo. Como eu não tinha conhecimento do material, fui pegando devagarinho. É o tipo de coisa que leva tempo, mas nisso você vai pegando amizade. A gente faz amizade com os clientes antigos, com os novos, com outros funcionários. O Sr. Carlos é uma pessoa maravilhosa e a gente passa mais tempo aqui do que em casa”.
Pessoa de educação ímpar e delicadeza sem igual, Sr. Carlos inspira a cidade a fazer prevalecer a conexão com e entre pessoas. E talvez seja essa a sua fórmula para o sucesso no comércio e fora dele. Afinal, como ele mesmo fica feliz em dizer: “Graças a Deus, sou muito bem quisto aqui na cidade”.
Texto: Carolina Freitas.